sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)



                                                      14º Capítulo



             Tresnoitado de uma noite mal dormida, o andarilho não andou muito mais que meia légua e avistou um rancho de campo de uma chácara, que havia mais adiante da tapera em que dormiu da última vez. Com fome e um tanto judiado por consequência dos fatos, resolveu bater os costados para dar mais uma ressojada e talvez arrumar um prato de “bóia” com mais sustância pra o sustento do corpo...
Era a chácara de uma família de agricultores que tirava da terra a subsistência,  ali naquele rincão, embora num ermo de querência, vez por outra os moradores eram vítimas de furto e abigeato, bem por isso a força das circunstâncias gerava desconfiança entre os homens, tão logo avistassem qualquer pessoa estranha por aquelas bandas; pois bem... O andarilho chegou em frente ao rancho, e do lado de fora do para-peito, d’onde cruza o corredor, bateu palmas e prendeu o grito:
         -Ôooo de casa! Exclamou. Foi quando saiu de trás do galpão, onde havia uma horta, uma senhorita , que de longe já vinha bombeando com desconfiança pro andarilho, que até então jamais tinha sido visto por aquela região, quando vinha em direção a ele perguntar o que queria, surgiu o dono do rancho, um senhor de idade, que vinha chegando do cercado onde andava capinando e escutou o grito prendido. Sem muita receptividade, nem “saludou” direito e de vereda indagou-lhe o que queria; e o andarilho sem demora lhe respondeu. Logo em seguida teve de responder mais um lote de perguntas.
            Bueno... sobre o pouso, o “home-véio” lhe disse que não, e explicou o motivo sem inventar nenhuma desculpa,  foi sincero no sentido mais amplo da palavra; mas, quanto a dar-lhe comida não pensou duas vezes; apontou pro andarilho um lugar na volta do corredor que servia de pouso pras tropas que em outros tempos eram tantas, e lhe disse que enquanto estivesse descansando por lá poderia ficar tranqüilo que não lhe custava nada dividir o pouco que tinha com mais um.
             E assim foi; o andarilho baixou no rumo do pouso, bem d’onde havia um capão de mato e uma sanga de águas rasas para matar a sede, acomodou-se por lá, onde resolveu que iria passar uns dois ou três dias para refazer-se dos rumos, e só depois voltar a andar caminhos; pra trás, no rancho onde havia chegado, deixou as dúvidas e a desconfiança de quem habitava o lugar.
             Em ponto de meio dia, enquanto olhava a vida de longe, o andarilho ergueu os olhos na direção do tal rancho de campo, e avistou que alguém vinha cruzando a cerca do para-peito pra o lado do corredor; era a senhorita que vinha trazendo um prato bem servido para lhe ofertar; chegando lá, estendeu-lhe a mão para alcançar o prato e desejou que fizesse bom proveito; o andarilho muito agradecido, sentou num galho de corticeira que havia ali pelo chão, tirou a boina e descansou sobre um dos joelhos, e com o prato na mão ergueu os olhos pra ela e desejou que DEUS lhe abençoasse. A senhorita, por sua vez, desejou-lhe o mesmo e sem demora deu meia volta e seguiu no rumo “das casa”.
             Depois de encher a barriga, o andarilho ainda com o prato e os talheres na mão levantou-se e foi até o costado da sanga, para pelo menos enxaguar o prato e tomar um pouco d’água; neste exato instante, notou que havia um objeto luzindo entre os pastos que se debruçavam sobre a terra por estarem altos, dobrando a o meio, bem d’onde havia uma plancha (tábua larga que as lavadeiras usam pra lavar roupa na beira da sanga). De vereda firmou os olhos e deu de mão; era um relógio, e pela delicadeza só poderia ser de alguma senhorita; como de fato era mesmo.
           Eis que o dia foi passando lentamente, já no “finzito” da tarde,  horizonte rubro no sol pôr, o andarilho já preparado pra passar a noite por ali bombeou pro lado do rancho novamente, dessa vez quem vinha na sua direção era o “home-véio”; estava aí a sua chance de mostrar quem realmente era. Aquele senhor que lhe recebera com desconfiança agora estava prestes á saber melhor sobre o homem com quem se dispôs a dividir o alimento da família. Prosearam por um bom tempo. Foram indagações e respostas sempre olhando firme nos olhos um do outro. Ao final da conversa, o andarilho sem pensar duas vezes perguntou ao senhor se ele conhecia aquele relógio; a resposta foi exatamente o que se esperava. Ele respondeu que sim, era o relógio da sua filha; aquela que ao meio dia tinha ido levar comida ao andarilho. Ainda disse que ela havia procurado por tudo, e que não lembrava de maneira alguma onde poderia ter deixado, mas certamente teria tirado para lavar as roupas e esquecido no costado da plancha de tábua, á beira da sanga. O fato é que o andarilho por vaqueano deu a primeira prova de não ser um homem de má fé; do contrário não teria nem porque mostrar o relógio, porém, como não costumava se apossar do que não lhe pertencia, fez questão de devolvê-lo sem pedir nada em troca, porque apesar dos pesares,  naquele momento a confiança seria sua maior conquista.  
              
          

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