10º Capítulo
Distante um par de léguas da fronteira, o andarilho vinha rumando a estrada asfaltada, quando avistou a mais ou menos uns duzentos metros de distância, a sede de uma estância grande de arquitetura antiga, e no lampejo de um momento resolveu chegar para pedir pousada; já no primeiro bater de palmas chamou olhares pra fora, e sem demora foi recebido pelo capataz que lhe perguntou o que andava procurando, foi quando o andarilho de vereda respondeu que andava cruzando estrada e queria apenas um canto para que pudesse descansar. O capataz lhe pediu que aguardasse por ali que já voltava; não levou nem cinco minutos e estava de volta, lhe mandou passar adiante e apontou pra o galpão donde sempre havia fogo grande, erva “buena” pra um mate, e um “catrezito” num canto pra um causo de precisão, e era neste mesmo galpão que se recebia os convidados que volta e meia davam propósito pra um churrasco gordo.
Por ali o andarilho acomodou o catre bem contra o canto, chegou pra perto do fogo, encilhou um mate, e pegou a olhar a vida de longe como de costume. Os dois peões de campo ao chegarem da lida bem de “tardezita” logo perceberam que tinham hóspede no galpão, e por vaqueanos, acostumados a dividir aquele espaço com quem se achegasse, lhe “saludaram” dando um aperto de mão e um “buenas seu”! No descalçar as botas e pôr umas alpargatas um deles se foi ao banho, pra logo em seguida sair e dar o lugar pro outro, pois naquela noite de sábado teriam mais visitas; eram amigos dos filhos dos proprietários da estância; pessoas supostamente educadas, cheias de dotes artísticos e que se diziam sensíveis sobre tudo o que diz respeito a vida. Por hora, nessas junções, quem sempre fazia “as vez” de assador eram os peões da estância. Bueno... começaram a chegar os convidados daquela noite; em principio o “saludo” era um boa noite em alto e bom tom para que todos se sentissem cumprimentados; Bem “despacito” o andarilho foi se retirando, discretamente, e deitou-se no catre que tinha acomodado pra descansar, e que estava num lugar de certa forma meio aparte do ambiente, porém se ouvia tudo que era dito lá na beira do fogo.
Conversa vai, conversa vem, um dos convidados pediu pra outro (uma moça diplomada que se dizia livre de preconceitos musicais e sociais) para que contasse a todos sobre uma passagem testemunhada por ela numa de suas viagens. A moça então começou a descrever o que tinha testemunhado. Era o reencontro de dois amigos de infância que tomaram rumos diferentes na vida, um era estudante, acadêmico de agronomia, e outro havia se tornado músico, tocava em uma banda de rock...
O estudante, um índio gaúcho, bem pilchado carregava consigo a mateira de onde sem demora puxou dos avios e seguiu comungando um mate “bueno” com o outro; falaram de tudo um pouco até chegar no quesito música. Vieram a tona os gostos musicais de cada um; quando o roqueiro falava sobre a sonoridade de sua preferência, o outro, de gosto preferencial pela música campeira não lhe tirava a razão, apenas ficava calado por respeito a opinião e ao gosto do seu amigo de infância. Foi quando a moça que presenciava o fato, e dizia-se eclética começou a se interessar pelo assunto e seguiu de longe observando um e outro. Na vez do estudante falar da sonoridade de sua preferência, o roqueiro dava seu ponto de vista, mesmo que de um jeito muito cordial, pois a amizade estava acima de tudo, preconceito musical, social, enfim...
O andarilho pegou a escutar o que a moça contava para os demais que se encontravam lá na beira do fogo, confraternizando, golpeando um trago, cortando um assado campeiro; assado este feito com toda a boa vontade por mãos de homens campeiros.
Ao terminar de narrar o fato que havia presenciado, a mocinha diplomada que se dizia eclética e livre de preconceitos abriu parênteses para falar do seu ponto de vista sobre a quietude do estudante, e as colocações do roqueiro. Bem por isso, talvez sem nem perceber, teve a infelicidade de mostrar o que realmente pensa. Disse que pra ela o rapaz de gosto acentuado por música campeira lhe parecia calado por não ter argumentos, ou por ser limitado musicalmente; já o outro, pra ela parecia muito mais inteligente, desprendido e sensível; chegando assim a exclamar que tinha chegado a conclusão de que os campeiros (que preconceituosamente ela taxava como “os de boina”) são homens que pensam que música no Rio Grande nada mais é que falar em dar pau em cavalo, cabeça de vaca, e pronto. Resumindo... Dentro dessas colocações ela subestimou a inteligência, inclusive daqueles que ali estavam lhe ofertando sempre o melhor talho de uma carne bem assada, porque por campeiros conhecem a volta, e deu asas ao preconceito que traz no pensamento, junto consigo. Foi quando o andarilho pensou consigo mesmo depois de ouvir a colocação da mocinha diplomada:
“Mais vale um campeiro limitado as suas origens, que ser diplomado e se dizer eclético, mas limitar-se ao preconceito com a musicalidade gaúcha”.
“Pobre mocinha, que DEUS ilumine seus pensamentos para que possa um dia ser feliz pisando com mais respeito no chão onde pisa”.
Só depois de um tempo passado, foi que a moça caiu em si, e percebeu que aquele tipo de gente a quem ela acabara de discriminar, estava não só dividindo seu espaço com ela, como também estava lhe proporcionando o bem estar sem pensar nas diferenças.
É uma infelicidade o preconceito mesmo. E o pior que também existe entre a nossa música, onde uns acham que são donos da verdade, e acham que o microfone é uma arma a disparar para todos os lados.
ResponderExcluirParabéns mais uma vez Zeca: pela sensibilidade, pela parceria e pela música boa, sem preconceito e de muita qualidade!
Que Deus te abençoe e que sigas escrevendo as nossas verdades, sem jamais intencionar pisar nos pés de alguém!
Abraços