sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)


                                                 6º Capítulo


       Chegava a safra da esquila, e em pleno verão o andarilho despachava terreno na direção do horizonte campeando uma changa, nem que fosse de cancheiro, pois pra quem precisa, chega a ser um despreso refugar a bolada,  por isso vinha tenteando se rebuscar “nos pila” e garantir pelo menos os vícios por mais um tempo.
Vinha no más, ao passo que bem sabia o quanto conseguia manter a cadência, quando escutou de muito longe, na volta da estrada, o ronco do motor de um caminhão  destes que fazem o leva e traz das comparsas; o ronco foi se aproximando cada vez mais, e o andarilho buscando a volta da sorte parou na beira da estrada de chão para ver se avistava o caminhão, já pensando em atacá-lo para pedir uma carona e quem sabe arrumar uma colocação de cancheiro. Dito e feito! O motorista do caminhão era o próprio responsável pelas esquilas, conversando se acertaram, já que o cancheiro que era de costume naquela comparsa ia unir-se aos demais depois de uns quinze dias porque andava n’outra volteada; o andarilho mais que depressa  atirou a mala de garupa pra cima da carroceria sem nem fazer caso de onde seria aquela empreitada, e pulou pra cima, “saludou” os que lá estavam e acomodou-se num canto até chegarem na primeira estância, onde teria início o calendário de esquila daquela comparsa.
        Bem verdade que nada é por acaso; cruzaram dois mata-burros e por fim, no costado da sombra grande de uma figueira antiga desligou-se o caminhão, estavam em frente ao galpão onde o som das tesouras ecoaria por volta de uma semana, talvez um pouco mais. Quando levantou-se para descer do caminhão, o andarilho ficou surpreso e meio sem jeito; vejam só...era a mesma estância donde lhe negaram o pouso a um tempo atrás, e por conta da fome que sentia se fez valer do instinto de sobrevivência para roubar uma paleta de ovelha assada enquanto todos estavam entretidos com a marcação. Lhe pesou na consciência o fato de ser reconhecido e taxado como ladrão, só não sabia que ninguém tinha o avistado nem de longe no dia de tal fato, e nem sequer dado falta daquele pedaço de carne, pois a fartura e o desperdício foram tanto que nem deu pra perceber. Bueno... trouxeram o rebanho,  Merino Australiano, destes que as rugas endurecem a safra de quem por mais vaqueano que seja vai metendo tesoura mas com o rendimento um pouco mais baixo que nos rebanhos das raças de corte; bom pro cancheiro, porque manear, alcançar pros esquiladores, varrer a cancha e atar os velos “solito” não é uma missão tão fácil quanto parece, depois de pegar o embalo só vai, mas de saída requer um tanto de experiência. Eram três tesouras batendo folha no martelo, e a canha corria na volta mesmo que cachorro de pátio pequeno; em média cada um tirava trinta e cinco, quarenta por dia.Por ali “empessaram” a conviver e se entrosaram “despacito”; mas, como de costume, o andarilho pouco falava; quando a tarde caía, fazia um mate a capricho com os avios que trazia na mala e se apartava pra um lado pra olhar a vida de longe.
          Lá pelas cansadas, um belo dia, alguém largou um brinquedo, desses que se faz às vezes sem pensar, no intento de quebrar a barreira da mesmice, porque ninguém é de ferro; e não é que o andarilho tomou aquilo como ofensa. Daí veio um nó apertar-lhe a garganta, o cansaço pegou a alterar seu ânimo, e a coisa rumava pra um estouro de adaga...não deu outra; tinia folha com folha, bate e rebate, e numa dessas “tajadas” o andarilho “tastaveou” numa pedra, e mesmo assim conseguiu livrar o talho; mais pareciam dois touros de aspa afiada peleando, a turma do deixa disso nem quis saber de apartar, pois o ferro branco quando desce vem cortando o que tiver pela frente; foi quando um grito prendido pelo capataz da estância botou tenência; pararam; de imediato o responsável pela comparsa foi chamado lá dentro, na casa grande... lhe foi dada ordem para que dispensasse os dois, foram então no rumo da estrada, o andarilho voltou a andar caminhos, e o outro pegou uma condução (um ônibus) de volta ao rancho onde morava, num “rincãozito muy lejos” dalí.  

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