segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)


                                                            12º capítulo


       Numa das tantas estâncias que o andarilho acostumou-se a chegar por saber que encontraria pouso certo, caia a tardinha quando bateu os costados. Num ritual costumeiro chegou de manso, o capataz e a peonada já lhe conheciam de longa data.
       -“Buenas tardes” senhores! Disse o andarilho.
      Ouvindo de pronto a resposta: “Buenas seu”! Passe pra diante, vá sentando...
      O mate “empessava” a correr de mão em mão, o descanso pegava o rumo de uma boa prosa, “sonava” um radinho que reverberava dentro do galpão. Falando da lida, contado causos e patacoadas, surgiu o assunto sobre um cachorro ovelheiro, desses que depois de tantas gauchadas envelhecem na lida e se fazem parceiros até o fim. Por conseqüência da idade que somava, já não era mais o mesmo, ainda tinha o tino e a coragem, mas não era mais aquele que em outras volteadas bastava prender o grito que atendia de vereda. Mesmo assim, todos ainda tinham muito apreço por ele, porém naquele dia, o capataz da estância grande não estava muito conforme para entender as atitudes do cachorro “véio” que atendia pelo nome de Campeiro; estavam todos sentados, mateando, e o cachorro por companheiro, veio pra volta, depois de receber o andarilho aos latidos, dando sinal de que alguém vinha chegando. O andarilho, conhecedor da volteada lhe deu uma mimada, dessas que qualquer cachorro amigo abana a cola faceiro, e foi se achegando. Voltando ao assunto... o fato é que o cachorro andava na volta, e vez por outra se passeava em meio aos que ali estavam mateando; Quando ouvia alguém lhe ralhando atendia feito guri sem vergonha, que obedece já preparado pra fazer arte de novo.
           -Vai te “deitá” Campeiro!
           -Já pra lá cachorro “véio”!
           -Caminha vai te “deitá” rapaz”! Eram as ordens dadas pelo capataz ao ovelheiro, que se enfiava na roda de mate costeando um e outro como a pedir carinho. De repente, o ânimo do responsável pela estância foi se exaltando, pegou a se arrenegar
reclamando do velho parceiro de lida como se tivesse esquecido todos os méritos dele.
           -Que cusco bem atoa esse! Exclamava.
           - Caminha pra fora campeiro, tu não tem onde te “esfregá” rapaz? Vai te “cossá” numa tuna! Seguia...
            Veio a sentença: Olha cachorro “véio” tu não te esquece que tu “tá” me devendo uma! Tu não pensa que eu esqueci que tu andava te fazendo de surdo comigo campo afora! A hora que eu te “pegá” tu me paga. Dizia o capataz.
              Como de costume, o dito cujo andava sempre com uma varinha; e não deu outra, foi pra lá e pra cá e deu de mão na varinha que tinha deixado no costado do banco em que estava sentado; com a outra mão agarrou o cachorro d’uma pata e seguiu exemplando, porém, descia a varinha que assoviava cortando o vento e dava por onde pegasse, tanto foi que numa daquelas acertou no olho do pobre animal que chorava e se retorcia tentado livrar-se das mãos do homem. Diante de tudo isso, o andarilho vendo que já era demais, não pensou duas vezes antes de intervir para botar um fim naquela crueldade; daí a coisa entaipou de fato... O capataz já de cabeça quente, um tanto fora de si, investiu contra o andarilho que por sua vez  também não estava de sangue doce, mas peleava em justa causa. Eram dois touros frente a frente, olho no olho, e seus instintos falavam mais alto. O cachorro ovelheiro que livrou-se das mãos do capataz graças ao andarilho, talvez pressentindo o que estava por vir latia na volta, como a pedir que botassem um fim naquilo tudo que estava acontecendo; de nada adiantava. Lá pelas tantas vendo a coisa feia o capataz puxou do trinta, já engatilhado, e apontou pro andarilho. Ouviu-se o estouro de um disparo...
           Vejam só como são as coisas. O balaço rasgou o chão de terra do lado de fora do galpão da estância, justo porque naquele momento em que o capataz foi desferir um tiro contra o andarilho o cachorro “véio” avançou no seu braço fazendo “as vez” de protetor. A arma caiu no chão, agora os papéis estavam invertidos, o cachorro não largava o braço do homem que se retorcia e tentava livrar-se das presas do ovelheiro, “grunindo” de dor. Quando conseguiram apartá-los, já não havia mais nem rastro do andarilho que pegou o mundo por conta.

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