segunda-feira, 29 de novembro de 2010

ROMANCE DO ANDARILHO - Primeira passagem



                                                 1º  Capítulo


     Num fim de tarde como outro qualquer lá pra os lados da fronteira, um andarilho destes que andam pelo mundo surgiu como vindo do nada e se achegou pedindo pousada em frente á estância; falou em tom de voz baixo com quem o recebeu num “saludo” e “buenas tardes”...  Com humildade nos olhos pediu licença, passando confiança a quem por fim lhe concebeu um canto pra descansar; na estampa surrada, bem parecia que vinha pela vida provando de tudo que o mundo lhe ofertou em forma de expiação; trazia os pés mais cansados de andar caminhos pelos corredores do pago; o pouco que lhe sobrava era uma benção, por isso erguia os olhos pro céu num gesto de gratidão; pois, pra quem não tem rumo certo qualquer canto é um abrigo, e por pouco que pareça aos olhos dos outros, um mate e um prato de “bóia” se tornam fartura, mesmo que a incerteza do amanhã insista em fazer costado. E foi pelo tempo que o andarilho acabou ficando conhecido pelo rincão onde um dia surgiu.
     Resultou que, de um galpão para o outro, aos poucos foi conquistando seu espaço, um catre para o descanso, a banca ao redor do fogo, a cuia, a bomba pra um mate “bueno”, enfim; sempre muito respeitoso, jamais alguém viu o andarilho sequer escutando ou se metendo em assuntos que não lhe diziam respeito, aliás, um cristão que além de humilde, raramente dizia alguma coisa; tinha por gosto o costume de ver, ouvir e observar tudo á sua volta para que assim pudesse ver melhor a si mesmo.Pra quem olhasse de jeito, bem parecia um monge, exilado em seu próprio interior. Mas afinal, o que levara um ser de tão boa paz a viver de tal maneira? Alguma desilusão? Um descaminho? Quem sabe o destino insistente lhe pondo a prova dia após dia...   

Romance do Andarilho - Primeira passagem

terça-feira, 23 de novembro de 2010

HINO A VIDA


      Por tudo aquilo que carrego na essência, e que julgo determinante para o estado de espírito do meu ser, resolvi compartilhar com os amigos este hino a vida, até então, de autoria desconhecida por mim, mas assim que descobrir passarei a informação; o fato é que bendigo a sáude que Deus me deu, a cada dia, e tudo aquilo que de mais simples possa parecer aos olhos dos outros; porém, tenho plena consciência que estas coisas são tão preciosas que não há fortuna no mundo que possa ofertá-las por estarem única e tão somente ao alcance das mãos do pai eterno. A mim, me basta, por entendê-las como uma benção.


                                                                           Foto: Leonardo Gadea
                                 

    Obrigado meu DEUS por me fazer entender que não morre, parte apenas, a criatura que tanto amamos.
Obrigado senhor, pela aparente ausência, mas principalmente pela constante presença através das lembranças, do carinho, da saudade, da flor que nasce, do sol que regressa em cada amanhecer, por isso é, antes de mais nada, as força da vida que brota a cada instante.
    Permiti senhor, que eu chore, é verdade, mas que eu saiba unir-me em espírito, num louvor ao eterno, onde os limites não existem.
Que eu saiba, sem temor, ver presente aquilo que se diz ausente, através do seu lugar a mesa, da sua voz, seu caminhar, das coisas que quis e fez, das crianças e da vida que corre solta, desafiando a morte, deixando claro que a partida não é definitiva; pois, a vida escreve na calma um verdadeiro livro existencial.
                                               
                                                                           Graças a DEUS!

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

UM CAUSO

  Sobre uma alma andarilha que apareceu na querência

 Desenho ilustrativo de autoria do poeta, compositor, artista plástico e desenhista Uruguaianense SILVIO GENRO.

Ninguém sabe de onde veio
aquela alma andarilha,
com dois cavalos de encilha
que dava gosto de vê-los...
um zaino mocho retaco
da cabeça encarneirada,
e um baio que refletia
o clarão da lua no pêlo.

                        Apareceu na querência
                        deixando um ar de mistério,
                        como todo índio gaudério
                        que sempre guarda um segredo.
                        No perfil de forasteiro,
                        um jeito esquivo e velhaco,
                        de quem pras vias de fato
                        jamais oferece um dedo.


        Era uma noite qualquer, igual a tantas outras noites que se estendem nos bolichos, pelos rincões de fronteira; a gauchada, entretida, golpeava um trago, e mais outro...
proseando, contando causos, e se valendo de fatos que lhes davam motivo de sobra
para gaitadas de doer a barriga; os que não estavam a par da conversa, carpeteavam concentrados, orelhando o baralho. E como de costume sempre tem alguém escorado na porta, cuidando o movimento no entra e sai de quem chega, lá estava um desses
“bombeadores”, pois, foi quem escutou um bater de cascos compassado pelo tranco largo que parecia cada vez mais perto; como de fato era mesmo, se aproximava uma gaúcho bem a cavalo, trazendo um baio de tiro que vinha lindo no costado do zaino retaco, tranqueando parelho, sem fazer peso algum na mão que firmava o corpo da trança de um cabresto de duas braças e com presilhas bem reforçadas.
         Por se tratar de um desconhecido, deu apenas pra descrevê-lo, pra que alguém que por ventura já tivesse lhe visto por aquelas bandas o reconhecesse; porém, era um estranho mesmo, ninguém sabia, nem tinha conhecimento daquele quera, nem de algum que fosse pelo menos parecido com ele naquela região. Enquanto isso, lá fora, chegando em frente ao bolicho, o desconhecido apeou, foi afrouxando a cincha do zaino, e passando o cabresto de cada um dos cavalos entre as forquilhas dos galhos de um cinamomo que parece ter sido plantado alí estratégicamente para tal finalidade; descalçando as esporas, as dependurou junto com o mango no cabo prateado da adaga cortadeira que fazia volume embaixo do pala de lã crua, que bem parecia surrado pelo rigor dos invernos; sacou de pronto o sombreiro de copa alta e aba curta, mas só pra tirar o barbicacho que vinha firme “nos queixos” , e descansá-lo na nuca.
          Mal  botou o pé pra dentro do bolicho e já foi prendendo um “saludo” com seu sotaque portunhol: “buenas noites senhores”! E seguiu a passos largos na direção do balcão, onde ficou arrinconado depois de pedir uma de canha e um liso fundo para que pudesse servir-se a gosto; puxou de uma naco de fumo e de uma faca virilheira (pitoca) para fazer um cigarro de palha, que por sinal, tinha um maço tão fino que dispensava escolha; em seguida prendeu fogo no palheiro que exalava o cheiro, enquanto seus olhos matreiros, por de trás da cortina de fumaça, campeavam algo que ninguém sabia o que era.
      Se curiosidade mata, o que estava na porta escapou porque não era a sua hora, pois, intrigado com a imagem daquele forasteiro, não se sofreu em tentar desatar o nó que ele parecia trazer na garganta; buscando a volta por longe, primeiro puxou assunto, para depois, no decorrer da conversa, com todo cuidado para evitar um estouro, começar a indagação para saber mais a respeito daquele ser misterioso que apareceu de a cavalo, como surgisse do nada, campeando sabe-se lá o quê... aliás, o dito cujo não mudou seu jeito nem mesmo quando lhe foram feitas perguntas que, ou respondia silabicamente, ou com entrelinhas metafóricas, que acabaram por intrigar ainda mais os que ali se encontravam.
     
          Assim se deu um breve diálogo:

-Bem a cavalo não seu!?
-Hum.
-Noite linda pra quem vai cruzando estrada, bem montado, prevenido pra um caso de precisão!
-Éh.
-Há muito tempo não se via um xirú desta templa aqui pelas pulperias; gaúcho, “gaúcho”, como queira...

        O fato é que se vivia um tempo de apreensão, onde qualquer que fosse o desconhecido já se tinha razão de sobra pra desconfiar, sendo que naquele rincão, beirando a estrada da linha, por entre os marcos, os abigeatários cuidavam o movimento das rondas, nas altas da madrugada, esperando que a coisa acalmasse á espreita de uma investida, cujo rastro deixado se estendia no rumo dos contrabandos, sempre que as cercas eram cortadas e uma ponta de gado seguia em reponte pro outro lado, na direção do nunca mais.
          Sobre tais comentários o forasteiro não passou do: -Hum! Éh!

         Daí vieram as perguntas:

-Como te chamas paisano?
-De onde vem? Pra onde vai, levando um pingo de muda?
-Não é por nada, mas anda procurando algo, ou alguém?

          Foi quando então, serviu-se do último trago que ainda tinha na garrafa, virou-se de frente pra porta e respondeu-lhe:

-Soy doble-chapa e terrunho,
 venho de um tempo distante,
 e daqui sigo “adelante”
 buscando um rumo seguro;
  por fronteiro, pêlo duro,
 ser andarilho me basta...
 descendente de uma casta
 que ilustra os versos de Hernandez,
 por isso onde quer que eu ande
 vou tranquilo, não me apuro,
 na direção do futuro
 montando um zaino estradeiro,
 e um baio que lume inteiro
 pra me guiar no escuro.


             Golpeando o último trago, pagou a conta e sem demora, saiu de manso pra fora, firme “no más”, sem tropeços... trocou as garras do lombo do zaino pro lombo do baio, alçou a perna, e num “saludo” com jeito de quem retorna pegou de novo a estrada. Mas, o “Perguntino” não se dando por satisfeito com as entrelinhas deixadas no ar pelo forasteiro, ou paisano como ele mesmo resolveu chamá-lo, criou coragem para seguir-lhe os passos, e assim fez, de longe, para tentar descobrir quais eram realmente suas intenções; foi indo até que na volta de um cerro o cavaleiro andante acabou sumindo no meio da cerração que estava cada vez mais baixa; então, voltou pro bolicho ainda mais encucado, e só no outro dia foi até o ponto em que desistiu de seguí-lo... o mais curioso nisso tudo, é que sequer ficaram marcas de cascos sobre a terra, e dalí  pra frente ninguém havia enxergado movimento nenhum, nem sabia dar notícia de alguém com tal perfil.
            Mesmo depois de muito tempo, ainda paira no ar um mistério, sobre uma alma andarilha que apareceu na querência.

                                                                                                  ZECA ALVES.