8º Capítulo
Certa feita o andarilho mateava tranqüilo e sereno recostado á beira do fogo, feito todos os demais que se encontravam ali pelo galpão, d’onde nunca lhe negaram pouso, quando de repente surgiu um assunto um tanto comum entre os homens campeiros que tiram o sustento do dia a dia da estância; era sobre o tempo, pois não chovia havia quase quarenta dias e a seca apertava cada vez mais, minguando o pasto verde e castigando a vida no campo; por certo que DEUS sabe o que faz... mas, como de costume, nunca falta quem se desgoste e pragueje, alguém pegou a arrenegar-se, e ao invés de pedir aos céus pra que a situação ficasse mais amena, seguiu fazendo comentários sem nem ao menos pensar nas conseqüências; o andarilho que se fez mais vaqueano através dos caminhos retirou-se num pedido de licença, um “saludo” e boa noite. Ao deitar-se numa cama de pelegos que fez do lado de fora do galpão, contra um pé de umbu que sombreava o oitão durante o dia, de pronto pegou a fazer a oração costumeira de gratidão e súplica pelas desditas, que vez por outra se dão quase que inconscientemente, através da falta de conhecimento, experiência, ou, até mesmo de orientação sobre tudo que diz respeito á existência; foi quando em pensamento falou com a voz do coração:
-“PAI NOSSO que estais no céu”, perdoai os que de uma forma ou de outra acabam elevando as próprias penas através de manifestos compreensíveis aos olhos de quem sabe e sente que realmente estás acima de tudo e de todos, sendo que aos olhos da matéria é preciso fraquejar para que espiritualmente seja possível evoluir. Gracias por mais um dia de vida e convívio direto com a natureza por estes fundos de campo, onde a vida é mais sentida na flor da pele e no coração. A sua benção meu PAI”!
No outro dia saltou calando, “tempranito”, nas altas da madrugada; fogo aceso, mate pronto, e de novo léguas por diante pra andejar nos corredores deste mundo “véio” de DEUS... o ar cada vez mais abafado parecia esmorecer o corpo e segurar os passos do andarilho que “assoleado” parava de tanto em tanto para dar um ressojada; nisso uma barra cinzenta pegou a se erguer no horizonte bem ao “despacito”, e vinha engolindo a manhã que mal e mal clareava, aos poucos fechou o tempo num céu de nuvens pesadas...
Primeiro um “ventito” trouxe uma manga d’água, depois começou a soprar mais forte erguendo as folhas do chão em redemoinhos, e dobrando o pendão dos pastos e macegas que rebojavam sem parar. Quando se deu por conta, estava bem no meio de uma tormenta que chegou botando um fim na estiagem, sem ter como escapar, nem tampouco um lugar próximo para buscar abrigo, deitou-se não chão já encharcado, mas com o pensamento elevado aos céus.
-Seja lá o que DEUS quiser; abençoe-me e proteja-me meu PAI! Pensou o andarilho.
Mesmo naquela situação, sentindo na pele e no coração que era um ser extremamente pequeno perante as forças da natureza, um misto de susto e de fé lhe entregava nas mãos de DEUS... depois de uns dez minutos mais ou menos, o tempo foi se acalmando; o vento e os relâmpagos passaram, a chuva ainda caia, porém de mansinho; ao levantar-se do chão e olhar a sua volta avistou a paisagem totalmente diferente daquela que avistava um pouco antes da tormenta chegar. Banhados e várzeas totalmente alagados, florestas inteiras desgalhadas e retorcidas no entorno daquele
rincão; o mais inacreditável é que, fora o “cagasso” e o fato de estar encharcado, escapou ileso de todo aquele reboliço, não levou sequer um arranhão.
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