sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)

                                           

                                                        9º Capítulo



      Depois de andar mais ou menos meia légua, ainda encharcado pelas águas que desabaram do céu sobre a terra, o andarilho topou na volta do corredor com um acampamento; ali estavam três alambradores que empreitaram vários metros de cerca numa estância grande daquele rincão, e pra não perderem tempo no vai e vem pro serviço, fizeram por ali mesmo o próprio parador. Dois deles estavam por ali, já era perto do meio dia, e o outro, por sua vez, foi na sanga que corria logo abaixo de onde acamparam pra buscar água pro mate e pra fazer uma “bóia”; naquele lugar também havia chovido forte, mas graças a DEUS a ventania não tinha sido tão intensa. Bueno... destes que estavam ali pelo acampamento, um estava acomodando as coisas que haviam molhado por conseqüência da chuvarada, o outro estava em volta pra fazer o fogo pegar, já que o aguaceiro além de encharcar o chão também molhou a lenha, mas enfim, um taura vaqueano sempre dá um jeito.
        Ao avistar o andarilho todo encharcado que vinha bem “despacito”, um deles de vereda prendeu o grito num “saludo”, e sem demora viu que tinha dado pretexto pra que o andarilho chegasse pedindo um canto pra torcer os trapos. Os gravetos já fumaceavam e estalavam forte levantando labareda e dando sinal que sem demora o fogo grande estaria aceso. Por certo que os alambradores bem sabiam das dificuldades que se enfrenta por estes fundos de campo, por isso se busca recurso do jeito que DEUS oportuniza, e é também por isso que os homens olham de igual pra igual uns para os outros, e muito pouco ou quase nada custa uma quarteada quando alguém precisa.  Em comum acordo os dois alambradores disseram pra o andarilho que se achegasse “no más”,  um deles ainda lhe emprestou um calção pra que pudesse tirar as pilchas e estender ali por perto do fogo; foi o tempo de cambiar de roupa e o terceiro homem que ali estava acampado vinha chegando de volta com água boa para atender as necessidades daquele momento (o mate e a “bóia”). Mesmo de costas, a silhueta do andarilho parecia com a de alguém que ele não estava conseguindo lembrar bem quem era, até mesmo porque só viu bem ao enxergar o semblante do vivente; para surpresa de ambos, vejam só... mais uma vez o destino botou o andarilho frente a frente com alguém, lhe dando chance para se redimir dos erros; era o mesmo xirú que empreitava numa comparsa de esquila e foi fazer uma brincadeira com o andarilho que levou a sério e num gesto de desacato saiu batendo o ferro branco; atitude que rendeu um final de changa que mal tinha começado. Por certo que o andarilho também o reconheceu.
      Quando um identificou o outro, em questão de segundos, sem muito tempo pra pensar, fizeram silêncio... O andarilho foi levantando bem “despacito” como querendo ir embora, porém, desta vez quem não deixou passar em branco foi o xirú; prendeu-lhe o grito em alto e bom tom:
       - “Ooopa seu!!!! O mundo é pequeno de fato! Quem diria, depois de tanto tempo... cá estamos”. Disse o xirú.
       O andarilho envergonhado não deu sequer um pio, se fez bem de louco e desentendido pensando em retirar-se para evitar que se repetisse o fato desagradável que se deu n’outra feita. Os outros dois que ali estavam de vereda perceberam que era o possível reencontro de supostos desafetos; mas, de repente a surpresa... O xirú, por taura,  mostrando sabedoria disse ao andarilho que sentasse mais um pouco, pois tinham muito o que conversar. Não deu outra; desta vez o andarilho ouviu tudo calado e sem nenhuma reação impulsiva.
       Consciente de que tinha errado, cabeça baixa, ouviu tudo que o outro tinha pra dizer enquanto a “bóia” ia aprontando; nada mais que um pedido de perdão e já foi o suficiente para que contornassem aquela situação constrangedora, mostrando que a hombridade está no jeito humilde de proceder e reconhecer quando se está certo, ou errado, e que o orgulho nem sempre é o que parece, pois de nada adianta ser orgulhoso quando isso impede o crescimento interior do ser.
       Contas acertadas, tudo listo, o xirú alcançou um prato alouçado para o andarilho e mandou que se servisse; muito surpreso o andarilho indagou-lhe:
       - O senhor não vai na bóia também seu?.
        E sem demora ouviu a resposta:
        - Atraque “no más”,“vo tomá” mais “uns mate”.
       Depois de “forrar o bucho”, o andarilho deu uma enxaguada no prato e agradeceu; foi quando o xirú se levantou, lavou o prato e, numa “servidita” mais ou menos seguiu metendo “bóia”. Só então o andarilho percebeu que, praticamente acabou comendo na mão de pra quem um dia se mostrou esquivo.
         Foi bem desse jeito. Sentiu-se encilhado, bem como um cavalo matreiro que depois de tudo ainda tem que agüentar o peso das garras. 

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