segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)


                                                      15º Capítulo

 
        Ao adentrar um povoado num dos tantos rincões que existem a DEUS dará na imensidão da campanha, o andarilho escutava um floreio de gaita e pandeiro que se espalhava pelos ares; foi seguindo no rumo do sonido até avistar uma ramada na beira de uma cancha reta, onde a gauchada toda reunida formava o entrevero nos domingos de carreira. Não podia ser diferente, morava o vivente escorado na copa, sentado na carpeta jogando um truco, atirando o osso ferrado na cancha de tava, enfim... calaveragem pra todo lado;  tinha carreira atada e não livrava nem chuva no dia, ainda bem que o dia estava lindo, o sol primaveral destapava o ermo do descampado e espichava sombras redesenhando silhuetas sobre a terra.
          No meio de todo aquele movimento, que aos poucos aumentava cada vez mais, o andarilho reencontrou um velho amigo de infância, que por força das circunstâncias não via a muitos e muitos anos, e que mesmo assim não deixava de reconhecê-lo, seja lá onde estivessem. Sabia de sua história, fazia parte do seu passado, e além de tudo sentia-se compadecido com seu viver andarilho.
            Num “saludo” cordial como de costume pegaram a golpear um trago e botar o assunto em dia, foi bem assim que “despacito” mataram a saudade, não só dos velhos tempos, mas, um do outro. Refletiram sobre a vida, sobre as transformações impostas pelo tempo; o andarilho estava prosa de tal maneira que jamais alguém tinha visto antes.
Certamente que não era um encontro ao acaso, pois pra tudo na vida tem um motivo.
            O seu amigo de infância trabalhava como peão de uma estância “grongueira” daquela região havia mais de dez anos, pode parecer pouco, mas considerava-se um homem feliz, sentia-se bem e parecia não sentir falta de nada,  tendo um ofício na vida, e saúde suficiente para honrar seus compromissos. Era um homem respeitado por onde quer que estivesse, por isso os proprietários dos potros que estavam inscritos pra correr  lhe confiaram o julgamento da tal carreira. Mais ou menos no início da tarde começaram os arremates, era aposta pra todo lado, cada um botava confiança nas patas de um dos potros e alimentava a esperança de sair por cima, tinha gente dobrando parada e jogando o que tinha e o que não tinha pra pagar aposta. O andarilho por sua vez se retirou pra um lado, ficou observando o movimento e assim se achava entretido em meio a todo aquele vai e vem.
             Os jóqueis foram pesados para que os que tinham atado a carreira estivessem certos de que o contrato estava sendo respeitado, logo em seguida os potros vieram pra cancha num trancão de convidado, cada qual mais bem tratado, com energia de sobra e loucos por um retoço. Era pingo erguido na rédea, fusta ao correr do braço, trote largo e um “galopito” pra reconhecer o trilho e aquecer o sangue. Tudo certo, o povo veio pra beira da cancha onde num grito de “se vieram”! Saíram do partidor dois potros mais espichados que fio de arame farpado, era focinho a focinho, metro a metro da cancha, vinham mais agarrados que guri com medo quando se agarra “nas calça” do pai; foi até lindo de ver quando cruzaram a bandeira, vinham os dois jóqueis debruçados nas orelhas dos potros que montavam, levantando na rédea e proseando firme como quem  bota tenência pra firmar o pataleio, sem contar que já vinham puxando algum “laçassito” dos trezentos metros em diante. Dada a sentença, foi anunciado o vencedor do páreo por ponta de focinho; entre um revide e outro, que nunca teve um perdedor totalmente passivo, corria tudo dentro da normalidade na medida do possível; até que lá pelas tantas um grito de sem reserva pegou a alterar os ânimos novamente. Era o grito de um bochincheiro afamado naquele rincão; mas como o orgulho volta e meia insiste em falar mais alto, logo em seguida o amigo de infância do andarilho, julgador da carreira e peão de uma estância grongueira topou o desafio; foi então que as coisas rumaram pra outro lado, começaram a se tourear no dinheiro, depois vieram os deboches, até que pra o fim a carreira já era o de menos. Dois tauras contrapontearam até parar de ponta um pro outro, olho no olho, frente a frente, adaga em punho; quando o tempo fechou entre os dois, abriu-se um clarão na ramada, e nada pôde ser feito porque no bate e rebate a “mala-suerte” troca de lado por bem pouco ou quase nada,  um deles se quedou degolado no chão duro de terra; era o peão de estância respeitado, mas que por orgulho ou sabe-se lá o quê acabou se envolvendo com um bochincheiro desses que levam tudo a ponta de faca, literalmente. Lá estava o andarilho, firmou os olhos em seu velho amigo de infância que á muito tempo não via, mas que DEUS lhe dera a oportunidade de reencontrar pelo menos pela última vez, o que não esperava é que fossem se despedir daquela maneira; mesmo assim sentiu-se conformado em poder lhe dar um último abraço; foi quando virou as costas e seguiu sem rumo certo pensando na vida que aos poucos cobra seu preço...

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