19º Capítulo
Ia o andarilho firmando a rédea entre os dedos, “grudadito” sobre “as cruz” do cavalo que ganhara á poucos dias numa aposta com um capataz de uma estância que havia feito pouco caso subestimando a sua fé.
O cavalo volta e meia inchava o lombo negaceando as macegas que o vento embalava e os vultos que se mexiam no meio do “pajonal”.
Cruzando por estes ermos, agora por bem montado, quando ao tranco do cavalo passava em frente aos ranchos de campo na volta do corredor, o andarilho mesmo sem querer chamava olhares pra fora, não só pelo jeito simples e pela estampa surrada, mas porque o seu cavalo era muito conhecido; tinha sido um cavalo muito afamado por velhaco em toda a querência; as pessoas pareciam não acreditar no que estavam vendo, pois sim, era o próprio; aquele que não carregava ninguém e acabou cedendo aos encantos do andarilho que sabia usar uma espécie de “Mirada índia” para se comunicar com os animais. Agora seus corações batiam em sintonia, seguindo o mesmo compasso do bate-bate de cascos que ditava a cadência do estradear. A cada légua vencida conheciam melhor um ao outro, foram aos poucos se tornando confidentes das mesmas penas, porém sem jamais faltar um com o outro. Pois bem... Os caminhos ainda eram os mesmos, as jornadas ainda se estendiam de um pago ao outro, mas agora a cadência do tranco largo encurtava distâncias; foi quando o andarilho resolveu refazer os rumos, retornar aos lugares que tinha estado ultimamente para ver quais as mudanças que supostamente teriam ocorrido no mesmo espaço de tempo que sua vida também mudou, mesmo que pouco, mas pra melhor.
“Despacito”, assoviando alguma “coplita” vinda da alma pro bico afinado, o andarilho voltou a bater palmas em frente á uma estância gaúcha da fronteira, mas depois de apear a agarrar o cavalo firme pela rédea. Novamente foi bem recebido, e pelo mesmo vivente que lhe concebeu o pouso da outra vez. Da mesma forma deram “um saludo” e “buenas tardes” um pro outro. Botando confiança no andarilho que já tinha espaço reservado no galpão, o vivente lhe apontou a cancela do potreiro, mandou que largasse o cavalo “no más” e se achegasse pra perto pra tomar um mate e prosear um pouco.
Bueno... Depois de soltar o cavalo no potreiro, o andarilho de pronto se abancou
perto da porta do galpão onde os demais mateavam tranqüilos bombeando o horizonte largo; assim se deu a comunhão de um mate “bueno” e prosa amiga que se estendeu até sonar o guiso chamado pra hora da “bóia”.
O assunto não poderia ter sido outro, senão sobre o cavalo; de saída já lhe perguntaram de onde tinha tirado aquele cavalo e como havia conseguido amansá-lo, pois um dos peões da estância, um índio “bueno” e ginete por “demás” reconheceu o pingo “véio” tão logo firmou os olhos nele. Foi quando o andarilho lhes contou toda a história de como havia ganhado o cavalo, dessa vez ninguém duvidou de nada, porque todos gostavam muito de andar pelos rodeios da querência, e do lado de lá da fronteira, no Uruguai e Argentina e já tinham visto apresentações de homens que usam este tipo de encantamento (Mirada índia) para se comunicar com cavalos através da fé.
Certamente que ninguém quis experimentar o cavalo, porque o mesmo índio ginete que reconheceu o cavalo já havia topado a parada num desafio de bolada e bem sabia que era “dura a galleta”.
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