quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)



                                                    18º Capítulo


           
    Conforme era previsto, mal e mal clareava o dia na estância e todos já se encontravam mateando ao de redor do fogo, exceto o semaneiro que havia dado de mão num xergão e num freio e saído ao tranco largo na direção do sogueiro pra fazer a recolhida; trouxe pra mangueira toda a cavalhada, inclusive os tobianos aporreados do capataz, e conforme foi ordenado embuçalou os dois e lhes atou na sombra de uma figueira grande que havia do lado de fora da mangueira, ali ficaram atados esperando o sol destapar o horizonte pleno.
     Aquela manhã seria enfim para tirar as cismas da gurizada que passava as férias na estância, e do andarilho que bem sabia como proceder quando lhe tocasse a bolada.
      O capataz por sua vez pouco sabia que a pretensão que trazia consigo havia armado uma tocaia para que a vida pudesse lhe ensinar um pouco mais, e na empáfia de querer ser o dono da verdade nem sequer percebeu que estava diante de um ser humano que por humilde estava apto a lhe mostrar na prática o jeito certo de proceder com seus iguais, e com as oportunidades que DEUS proporciona aos homens, inclusive de ficar quieto.
         Entre um mate e outro o capataz que por sinal era um índio campeiro e conhecedor da lida largava uma charadinha, ou pro rapazinho que lhe contou o acontecido, ou pro andarilho; ambos permaneciam calados, de cabeça baixa, pois era evidente que aquele homem gaúcho, vivido, responsável pelo serviço da estância, cada vez que debochava aumentava mais o motivo de envergonhar-se por ter dado com a língua nos dentes. E assim seguia:

       - Mas então quer dizer que o vivente aí é meio bruxo. Dizia se referindo ao andarilho.
       -Vai ver que um dos meus cavalos resolveu carregar alguém, com pena de dar-lhe um tombo,hahahahahaha. Gargalhava.
       -Faz não sei nem quanto tempo, até já perdi as contas da última vez que alguém conseguiu para nestes tobianos, agora vocês vem querer que eu engula esta conversinha. Se referiu ao rapazinho.
      
        Por fim veio a exclamação crucial para o aprendizado, foi quando o capataz trocou os pés pelas mãos e enfiou os pés na maneia ao afirmar que pagaria pra ver.
        O rapazinho, pelas rompantes de moço e por ter escutado tudo calado não se conteve, disse ao capataz que topava o desafio e fez a seguinte proposta:
         Ele e o andarilho arrancariam “chirca”, carqueja e outros inços com as mãos no entorno da estância e nos potreiros até que tudo ficasse limpo, se por acaso um dos tobianos corcoveasse com o andarilho; do contrário o capataz teria que lhes dar algo em troca, se acaso se confirmasse o que já sabiam que ia acontecer. Foi quando o capataz disse que daria o cavalo de presente pro andarilho e se comprometeu em ajeitar cavalo pro moço andar pelas gauchadas pro resto da vida.
         Desafio aceito, saíram todos na direção de onde os tobianos estavam atados; o capataz ainda perguntou aos dois qual dos cavalos teria sido pego no dia anterior, quando apontaram ainda ouviram outra gargalhada...

          -Ahahaha! O mais veiaco ainda por cima, eu mereço! Dizia.
          -Pois bem, fique a vontade seu. Disse ao andarilho.

         Agora era a vez do andarilho que esperou pra falar na hora certa. Pediu que todos fizessem silêncio e se mantivessem afastados; repetiu-se o ritual . passou a mão sobre as crinas do tobiano, deu-lhe um afago na tábua do pescoço, sussurrou uma espécie de oração, saltou de barriga e depois cruzou a perna pro outro lado e saiu ao tranco, andando pelo potreiro.
            Enquanto tinha gente que não sabia onde se enfiar de vergonha, tinha outros que sorriam por dentro, cheios de orgulho de comprovar o que já haviam dito; mesmo assim, diante de todos o capataz insistia em subestimar a fé do andarilho dizendo que não era possível, e que se aquele homem era capaz, ele também era; porém aos olhos de DEUS só habilitam-se aqueles que fazem as coisas de coração aberto.
            Quando o andarilho apeou na sua frente sem dizer nada, o homem lhe cumprimentou assumindo que tinha perdido, mas pediu o cavalo emprestado pra dar uma volta, tal como havia feito o rapazinho; repetiu-se outra sena, um tombo que quase matou-lhe o bicho do ouvido quando lhe atirou no chão pelo correr da paleta. Ao erguer-se do chão, o capataz perguntou ao andarilho como aquilo era possível?!
            Foi quando então ouviu da boca do andarilho que:

            -O princípio inteligente está no coração de cada um, e nem tudo é como gostaríamos. A inteligência está dentro de todos nós, basta descobri-la;  pois com boa fé ela se manifesta refletida em tudo que nos rodeia.

                Ergueu os olhos pra o céu num gesto de gratidão, “saludou” a todos e deu meia volta no rumo da estrada, que a partir de agora teria léguas por diante pra despachar de á cavalo.

2 comentários:

  1. Tá cada vez melhor, obrigado por nos agraciar com este baita romance, um abraço desde os campos de palmas!!! Dimitri, revista Tchê Campeiro, Crescente de janeiro.

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  2. Parabéns mais uma vez caro Zeca!

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    Abraços

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