quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)


                                                     20º Capítulo


       No outro dia bem cedo, como de costume, quando a gauchada da estância botou os ossos de ponta, o andarilho já esperava de mate pronto e fogo grande; depois de um “buenos dias” em alto e bom tom, todos sentaram-se a beira do fogo pra matear e refazer o dia antes de “empessar” a lida.
        O capataz que no dia anterior percebeu que o andarilho era bem mais vaqueano e vivido do que parecia a primeira vista, sabendo já naquelas alturas que se tratava de um taura calejado, lhe perguntou se por acaso não queria uma changa; mais que ligeiro o andarilho aceitou. Quando o capataz indagou-lhe sobre o que sabia fazer, sem demora ele respondeu que fazia de tudo um pouco, que conforme viesse a volta escorava o quanto pudesse. De vereda se acertaram pra uma desmanchada de cerca lá pra o lado do banhado, segundo as previsões era serviço pra uns dois ou três dias, depois disso o andarilho já tinha firmado outro compromisso com o capataz ; ajudá-lo na carneada de um brasino aspa torcida que o patrão deixou pra municio da estância.
        Passados dois dias e meio, cerca desmanchada, o arame todo enrodilhado e por capricho o andarilho não deixou sequer um pedacinho de atílio no arame das guias. Perto do meio dia já foi se achegando pro lado do galpão e avisou ao capataz que estava pronto o serviço do desmanche da cerca velha. Sentaram-se então debaixo de um paraíso bem copado pra esperar que chegasse a hora da “bóia”; conversa vai, conversa vem, falaram sobre a carneada, sobre couro, sangria e outras “cositas más”.
Foi quando o capataz perguntou-lhe se não sabia lidar com corda, sem saber que o andarilho por sua vez trançava um preparo como poucos guasqueiros trançam hoje em dia; ao ficar sabendo de mais essa habilidade do andarilho fez a proposta de lhe garantir o pouso por mais uns dias após a carneada, desde que lhe ajudasse a estaquear, lonquear, garrotear o couro e lhe ajudar a arrumar um pouco das cordas de serviço, em troca, além do pouso, lhe daria um basto velho sovado que andava esquecido num cavalete lá num canto do galpão e um pedaço de couro para que pudesse fazer algo que lhe fosse útil já que agora era um homem de á cavalo. Já no topar a parada o andarilho lhe disse que queria apenas o couro do pescoço do boi brasino, pois nada mais lhe fazia tanta falta quanto um bom maneador para que nas voltas do pago pudesse botar o cavalo a soga quando não conseguisse um potreiro onde pudesse soltá-lo.
        Passou a tarde, caiu a noite, e quando mais um dia vinha clareando o ermo dos descampados lá estavam o capataz, o andarilho e um dos peões da estância no rumo do mangueirão onde o brasino da carneada esperava encerrado pelo momento derradeiro. Tudo certo, mesmo percebendo que o andarilho não servia pra bobo o capataz lhe pediu que sangrasse o boi pra ter certeza de suas habilidades manuais; não deu outra, foi adentrar o sangrador numa punhalada certeira e por pouco o brasino não lhe caiu por cima. Carneado o boi, carne gorda oreando no gancho, o andarilho já deu de mão numa faca “buena” e numa chaira de respeito e seguiu lonqueando o couro verde mesmo antes de estaqueá-lo. Era lindo de ver aquela humilde figura bem despachada acomodando a volta do couro no correr da perna para lonquear de cabo a rabo no maior capricho. Depois de lonqueado, estaquearam bem como manda o figurino, agora era esperar o tempo certo, para poder macetear com gana e tirar tentos parelhos e bem sovados para lhes dar a forma exata da trança dos preparos usados na lida. Como por certo levaria algum tempo, o andarilho deixou tudo combinado para voltar depois de alguns dias. Repontou seu cavalo do potreiro, apertou-lhe o basto que agora lhe pertencia bem “despacito”, alçou a perna e pegou o rumo da estrada; saíram os dois se negaceando, desconfiados, até se aprumarem mais adiante... 

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