sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)



                                                   16º Capítulo


       Era uma tarde de sábado, a gurizada que estava de férias e recém chegada do povo acomodava os arreios lá pelo galpão da encilha, na estância grande. O capataz e a peonada haviam saído á primeira hora para aproveitar bem a folga, o caseiro, um índio “véio” “buenachão”, tinha ido até a estância lindeira buscar umas mudas que tinha arrumado pra plantar na horta; bueno... o capataz, um índio bueno que gostava muito de uma gauchada recomendou aos moços, por sinal muito influídos, que tivessem cuidado com o que fossem fazer, porque afinal qualquer coisa que por ventura acontecesse dentro da estância era responsabilidade dele, e lhes avisou que voltaria somente no domingo pela tardinha; mas como não se pode ter garantia, e a possibilidade de um lote de guri junto não fazer nenhuma picardia é muito pequena, não deu outra.
       No potreiro da recolhida estavam os cavalos de encilha pra o dia a dia da estância. Um colorado malacara, uma gateada cabeça preta, duas rosilhas e mais três tobianos. Dos três tobianos, dois eram do capataz, uma parelha de aporreados reservada pra os dias de festa, quando num tranco largo saía corredor afora levando os dois de tiro, pra que algum índio ginete topasse o desafio; o outro era um tobiano “véio” da mesma linhagem, por sinal bem parecido com os outros, sangue, raça, procedência e a marca da estância grande; mas estava ali por acaso, alguém deixou a cancela que dava do para-peito do galpão pra o potreiro encostada, e o tobiano “véio” que era o sogueiro cruzou e se foi pastar junto dos outros. Os aporreados apesar de serem aporreados, eram mansos de baixo que só eles, bem “amanunseados”, fáceis de pegar, pra quem não os conhecesse eram tão mansos quanto os demais, porém do lombo qual dos dois mais “veiaco”.
        A gurizada depois de entreter-se acomodando os arreios pra na segunda feira sair junto com os campeiros pra o campo, sentou-se de mate pronto debaixo da sombra grande de um paraíso bem copado, dos tantos paraísos que haviam em frente ao galpão.
 Por ali, entre um mate e outro contavam histórias, causos, falavam de tudo um pouco sorvendo o sabor da vida na campanha, onde á tardinha tudo é muito mais sentido. De repente, um deles olhou direito a porteira e viu que alguém vinha chegando, pensado ser o caseiro nem fez muito caso, seguiu tranqüilo “no más” tomando mate e proseando. Era o andarilho; tão logo chegou perto da porteira já prendeu o grito batendo palma...
O moço que servia o mate era o filho do dono da estância, e foi ele quem mandou que o andarilho passasse pra diante e lhe concebeu pouso sem nenhum problema.
          Vejam só como são as coisas, a gurizada que ainda não tinha aprontado nenhuma, de vereda pensou em fazer uma picardia. Um dos rapazinhos deu a idéia de pôr um dos aporreados no para-peito ao invés de pôr o sogueiro, e pedir pra o andarilho que mangueasse a cavalhada do potreiro no outro dia bem cedo, porém mal sabiam eles que aquela humilde figura de “bombachita” e boina surrada tinha bem mais que o sem fim das estradas pra andar por esse mundo de DEUS, era um homem vivido, cujo mundo havia ensinado muita coisa, embora ainda tivesse muito o que aprender também. Pois bem... recostaram o mate e disseram ao andarilho que ficasse a vontade, dando a desculpa que iriam fazer uma lida nas curta e já voltavam; saíram por trás da casa grande pra que ele não percebesse o movimento e trouxeram a cavalhada pra mangueira, apartaram um dos aporreados e soltaram pra pastar no para-peito da estância, ao de redor do galpão. Depois, conversa vai, conversa vem, um deles buscou a volta do assunto e pediu ao andarilho que trouxesse a recolhida domingo de manhã cedo para que pudessem encilhar pra dar uma volteada, e o andarilho sem pensar duas vezes lhe respondeu que deixasse “no más”, pediu que lhe deixasse um freio meio a mão, dispensando xergão, pois além de despachado não era de fazer muito floreio. Caiu a tarde. A noite grande se estendeu sobre o ermo do lugar. O silêncio da madrugada foi quebrado pelo estalar dos gravetos, quando ainda “cedito” o andarilho levantou do catre onde dormiu um sono tranqüilo e apertou um mate; quando a gurizada adentrou o galpão o andarilho já terminava de tomar o mate do estribo com o freio em punho. Disfarçaram direitinho. Ficaram por ali mateando feito quem não quer nada e espera a hora da recolhida.
           Tão logo saiu do galpão, o andarilho por costume pegou uma varinha pra andar a cavalo, então começaram os cochichos e as risadas da gurizada meio se segurando, na espera de um tombo, que por inconseqüência poderia machucar um cristão que nada de mal teria feito a eles.
             O andarilho foi chegando “despacito” no tobiano aporreado, que vale lembrar, era bem mansinho de baixo, já do lombo nem se fala; foi assoviando, passou-lhe a mão nas crinas, depois uma das rédeas por cima do pescoço, e por incrível que pareça conseguiu enfrená-lo sem nenhum problema. Por vaqueano o andarilho percebeu a desconfiança do cavalo, e viu que seus olhos tinham bem mais que simples visões de quem lhe pegara pra botar freio, foi então que afagou-lhe o redemoinho da testa com sussurros de uma oração que nenhum dos rapazes pode ouvir nem perceber; saltou de barriga primeiro, depois passou a perna direita pro outro lado e enforquilhou-se. Quando todos esperavam que o cavalo arrancasse mandando lombo, veio a  grande surpresa, para o espanto de todos; um tranco largo a meia rédea como se fosse o pingo mais bem domado entre os três tobianos, quando na verdade era o mais “veiaco”, porém pra um homem com a vivência do andarilho não; porque bem sabe que a fé quando elevada ao pensamento tem poder total sobre tudo.

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