sábado, 26 de março de 2011

A Vida em quatro elementos

       (AO MEU FILHO, JOÃO CÂNDIDO)



 Ganhando o céu da querência, pelo chamado de DEUS...
 Não serei mais um extinto, junto à memória dos meus;
 Serei vida, em outras formas, pelas mãos sábias do tempo,
 Renascendo a cada dia, no campo, em quatro elementos.

 Serei o vento em remanso pelas tardes de verão,
 Sombra copada p’ra os mates, projetada sobre o chão;
 A terra, em nuvens de poeira, rebojando num rodeio
 Ou, nas patas de um cavalo. “escramuçando” no freio.

Pelas manhãs de céu limpo, voltarei, no sol nascente,
 Fonte de luz no horizonte, para aquecer minha gente;
 Pelas nuvens carregadas, nas manhãs de céu nublado,
 Voltarei na água da chuva, matando a sede do pago.

 No calor de um fogo grande, voltarei ao pensamento...
 Sendo um rastro na consciência do meu próprio seguimento;
 DEUS permita que, meu filho, com razões de prosseguir,
 Sinta seu pai sempre vivo, nos rumos, por onde ir.

  Serei o vento na sombra, lhe provocando arrepios;
  Fogo grande, água p’ra os mates com gosto de campo e rio.
  Serei terra, em suas mãos, pra garantir o sustento...
  Serei eu, eternamente, vivendo em quatro elementos.

 Zeca Alves.

quarta-feira, 9 de março de 2011

ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)


26º Capítulo


Seguindo adiante, agora de a “pézito no más”, com as garras emaladas, o andarilho ia tentando encontrar um jeito de dar um destino ao que lhe era útil quando andava de a cavalo, tempo adentro e mundo afora. Foi quando avistou um “bolichito” de fronteira entreposto no arrabalde em que cruzava quando fez a doação do tordilho entroncado á um homem que precisa dele pra pelear em prol da sobrevivência; pois bem, o andarilho pensou consigo: “é aqui que vou me livrar do peso destas garras que não me são mais tão úteis, numa dessas passo nos troco, ou quem sabe deixo empenhadas pra pegar uns vícios quando estiver de cruzada”.
Chegando em frente ao bolicho, largou as garras no chão, logo que cruzou a cancela e prendeu um “saludo” e “buenas tardes” ao bolicheiro... De vereda o dono do estabelecimento lhe “saludou” também, e sem demora já foi logo perguntando o que o andarilho queria. O andarilho por sua vez saiu buscando a volta da prosa pra só depois, no desenrolar do assunto tentar negociar com o bolicheiro; um mais vaqueano que o outro.
Quando o andarilho contou-lhe sobre o motivo pelo qual andava de a pé, com as garras emaladas, logo o bolicheiro desconfiou, por certo que pela expressão do rosto pensava que era história pra boi dormir, pois “quando a esmola é demais todo santo desconfia”; como também não era tão santo assim, logo o instinto lhe atiçava o pensamento, estavam agora, frente a frente, dois vaqueanos, um por andar pelo mundo aprendendo, o outro por calaveira, sim senhor!
A negociação entre os dois pegou a se estender entre um argumento e outro; o bolicheiro ao revisar as garras logo viu que se tratavam de cordas simples, porém fortes e bem arrematadas, os baixeiros sim eram “surraditos” e tinham as pontas esfiapadas, os pelegos eram duas garrinhas, meia lã, já o basto, o basto era de respeito, feitio artesanal, estriveiras bem reforçadas, basteiras bem enchidas, todo ele de couro cru; logo o comerciante foi crescendo o olho e tentando tirar o máximo de vantagem, mas mesmo precisando livrar-se do peso pra seguir andejando o andarilho bem sabia do valor de seus aperos, bem por isso, além de garantir os vícios por um bom tempo queria apenas o que eles valiam, nada mais, nem menos.
Depois de um bom tempo conseguiu convencer e chegar a um acordo com o bolicheiro que lhe deu um tanto em dinheiro, e outro tanto em fumo, palha e fiambre.
Caia a boca da noite, o andarilho “saludou” o bolicheiro e voltou em direção ao “ranchito” d’onde morava o homem a quem deu o tordilho entroncado, e sua família. Quando a cachorrada bateu, logo ouviu uma voz vinda de dentro do rancho lhe gritar: “Passe pra diante”! Sacou a “boinita” surrada e pedindo licença adentrou “despacito”, meio encabulado, com a mala de garupa sobre o ombro; nisso o dono do rancho logo fez questão de apresentá-lo a sua família, porque aquela humilde figura era o homem de atitudes nobres que havia tentado amenizar suas penas sem pedir nada em troca. Apresentação feita, o homem logo perguntou ao andarilho no que lhe poderia se útil, então foi que o andarilho pediu-lhe um cantinho pra passar a noite e poder ressojar pra só no outro dia seguir no rumo da estrada...pouso concebido, óbviamente.
Na madrugada seguinte, o andarilho levantou-se pé por pé pra não fazer barulho, acomodou um mate a capricho com os avios que trazia na mala e saiu pra matear do lado de fora; foram um, dois, três, enfim, vários mates até tomar o do estrivo, daí levantou-se do cepo onde havia sentado para matear, tirou da mala o fiambre que tinha negociado com o bolicheiro, e colocou sobre a mesa da cozinha. Agora era seguir a cruzar caminhos, solito, e DEUS...
Quando todos se levantaram, já não havia mais nem rastro do andarilho.
Mais tarde correu o comentário nos arredores do arrabalde, sobre um homem sábio, e generoso que parecia ter surgido do nada, e sumiu num piscar de olhos.

FIM.

domingo, 6 de março de 2011

O CASCO E A PEDRA

Por: Zeca Alves e Gujo Teixeira




O CASCO PISANDO A PEDRA, SÃO COMO A FLOR E O ESPINHO...
EMBORA SENDO DISTINTOS ESTÃO NO MESMO CAMINHO;
SÃO, NA VERDADE, UM EXEMPLO PRA TODO AQUELE QUE PENSA
QUE A ESTRADA NÃO TEM MOTIVOS PRA UNIR PELA DIFERENÇA.

POR ENTRE O CASCO E A PEDRA, O CUIDADO É MAIS SENTIDO,
POIS QUEM JÁ FERIU COM FERRO, COM FERRO UM DIA É FERIDO...
E QUANDO NUM TROTE LARGO O CASCO TAMBÉM SE QUEBRA,
A DOR QUE MANCA O CAVALO É BEM MAIS FORTE QUE A PEDRA.

QUEM "ESTROPEIA" UM CAVALO POR GOSTO, PERDE A RAZÃO;
APONTA O PRÓPRIO DESTINO COM SETE PEDRAS NA MÃO.
E BEM SABE QUEM LHE TOCA, PELAS ESTRADAS DE CHÃO,
QUE O "MOL" DO CASCO É SENSÍVEL E SE CHAMA CORAÇÃO.

NOS CAMPOS DUROS DE PEDRA, UM MÊS SEM CHUVA É BASTANTE,
E OS CASCOS SÃO COMO AS LUAS CRESCENTE, CHEIA E MINGUANTE...
QUE VÃO CRESCENDO, ENFRAQUECEM, E FICANDO RESSEQUIDOS
SE QUEBRAM POR QUASE NADA, IGUAL A UM COPO DE VIDRO.

DEPOIS DE QUEBRAR DE FATO, NEM DÁ PRA FAZER ALARDE,
POSTO QUE O TEMPO, SE CRUZA, PRA REMEDIAR JÁ É TARDE...
E Á TEMPOS CUIDO DA LIDA, E DOS CAVALOS QUE ENFRENO;
APARO E "GROSEIO" OS CASCOS PELAS MANHÃS DE SERENO.

POR ISSO O CASCO E A PEDRA SÃO IGUAIS E TÃO DISTINTOS,
VIVEM ASSIM, UM NO OUTRO, RESPEITANDO SEUS INSTINTOS.
SABEM DA FORÇA INCONTIDA QUE APENAS SÓ UM DETÉM,
E SABEM QUE SOBRE AS PEDRAS NEM RASTRO FICA DE ALGUÉM.

quarta-feira, 2 de março de 2011

ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)


25º Capítulo



No mesmo tranco que outrora o tordilho despachava de a cabresto, o andarilho cruzava bem montado por um “ranchito” de arrabalde, quando avistou nos fundos do pátio um “home véio” lamentando o estado em que se encontrava o seu cavalo da carroça, que por estar velho e judiado já não tinha mais condições de puxar a carroça e garantir assim, o pouco que conseguia pôr pra dentro de casa pra repartir com a família.
Ao bancar o tordilho na rédea, o andarilho, assim feito quem não quer nada, apeou e bateu palmas em frente ao “ranchito”... De pronto o “home véio” saiu lá na frente pra ver quem era, e do que se tratava.
“Buenas tardes”! Disse o andarilho.
“Buenas! Lhe respondeu o homem.
“Sim senhor!No que posso ajudar “índio véio”? Perguntou ao andarilho, que de pronto lhe pediu um pouco d’água pra matar a sede.
Quando o homem veio de volta com a água, o andarilho já esperava com prosa pra mais de hora. E assim foram, indaga daqui, indaga dali; falaram de tudo um pouco. Cada um contou um pouco de sua história até que lá pelas tantas, o “home véio” pegou a lamentar-se sobre a situação em que se encontrava o seu cavalo velho, que já nem pastava mais direito por conseqüência da idade; lembrou das tantas vezes que garantiu o pão na mesa graças ao cavalo “véio” da carroça; lembrou também das gauchadas que fazia campo afora, antes de ir parar naquele arrabalde onde se encontrava á um bom tempo já, por força das circunstâncias. Foi quando o andarilho ficou a par da situação toda.
Aquele homem que ali se encontrava, era mais um dos tantos campeiros que sonham ir pra cidade pra que os filhos possam estudar e ter uma vida melhor. Na época em que ele e a esposa pediram as contas na estância tudo era mais fácil, pois como tinha sido tropeiro por muito tempo e era bem conhecido arrumou serviço nos remates de gado que aconteciam semanalmente no parque do sindicato rural, mas, infelizmente no decorrer do tempo as coisas foram mudando, os negócios já não rendiam mais o tanto que outrora rendiam (no tempo da vaca gorda); foi caindo o movimento, já não havia como pagar o trabalho de tanta gente nas mangueiras; “despacito” foram diminuindo os companheiros naquele serviço até que chegou sua vez de ser despachado.
Por conhecedor do serviço se fez changueiro, esquilador, alambrador, peão por dia, e volta e meia fazia alguma corda meio grosseira pra defender uns pilas. E novamente os atropelos do tempo foram inevitáveis, as changas escassearam, as esquilas ainda rendiam uns pilas, porém uns pilas curtos, porque o preço da lã sofria uma queda atrás da outra desvalorizando também a mão de obra dos esquiladores; vez por outra aparecia algum serviço de cerca, mas como não se pode contar com a sorte pra dar de comer aos filhos, sua última saída foi amansar um cavalo de carroça pra se defender fazendo fretes, juntando papelão, tenteando ganhar a vida. Ao longo dos anos o cansaço foi vencendo seu parceiro de andanças (o cavalo), que foi aos poucos descarnando, perdendo as forças.
Bueno... bem no fim da conversa, o andarilho, por sua vez, lhe perguntou o que faria se de repente surgisse alguém que estivesse disposto a lhe ajudar lhe dando outro cavalo para que na medida do possível conseguisse garantir o pão na mesa? Foi quando ouviu da boca do “home véio” que primeiramente ele agradeceria a DEUS, por enviar uma pessoa tão especial pra lhe ajudar a amenizar as penas naquele momento tão árduo pra ele, por ver que as possibilidades de conseguir o mínimo possível pra que sua família não passasse fome estavam cada vez menores. Então o andarilho tirou os arreios do lombo do tordilho velho entroncado e disse ao homem:

“Então agradeça “ermão”, porque nada é por acaso, e creio que foi ele quem me guiou até aqui; bem por isso eu vinha passando na mesma hora em que tu te lamentavas; foi quando parei pra pedir água e mesmo assim, num momento difícil, não me negastes, me estendeste a mão mostrando nobreza espiritual.”

Estendeu a mão direita que agarrava firme o cabresto e lhe alcançou o cavalo que agora se tornara bem mais que um regalo, pois representava um recomeço, um resgate da esperança que parecia já extinguida naquele “ranchito” de arrabalde.