26º Capítulo
Seguindo adiante, agora de a “pézito no más”, com as garras emaladas, o andarilho ia tentando encontrar um jeito de dar um destino ao que lhe era útil quando andava de a cavalo, tempo adentro e mundo afora. Foi quando avistou um “bolichito” de fronteira entreposto no arrabalde em que cruzava quando fez a doação do tordilho entroncado á um homem que precisa dele pra pelear em prol da sobrevivência; pois bem, o andarilho pensou consigo: “é aqui que vou me livrar do peso destas garras que não me são mais tão úteis, numa dessas passo nos troco, ou quem sabe deixo empenhadas pra pegar uns vícios quando estiver de cruzada”.
Chegando em frente ao bolicho, largou as garras no chão, logo que cruzou a cancela e prendeu um “saludo” e “buenas tardes” ao bolicheiro... De vereda o dono do estabelecimento lhe “saludou” também, e sem demora já foi logo perguntando o que o andarilho queria. O andarilho por sua vez saiu buscando a volta da prosa pra só depois, no desenrolar do assunto tentar negociar com o bolicheiro; um mais vaqueano que o outro.
Quando o andarilho contou-lhe sobre o motivo pelo qual andava de a pé, com as garras emaladas, logo o bolicheiro desconfiou, por certo que pela expressão do rosto pensava que era história pra boi dormir, pois “quando a esmola é demais todo santo desconfia”; como também não era tão santo assim, logo o instinto lhe atiçava o pensamento, estavam agora, frente a frente, dois vaqueanos, um por andar pelo mundo aprendendo, o outro por calaveira, sim senhor!
A negociação entre os dois pegou a se estender entre um argumento e outro; o bolicheiro ao revisar as garras logo viu que se tratavam de cordas simples, porém fortes e bem arrematadas, os baixeiros sim eram “surraditos” e tinham as pontas esfiapadas, os pelegos eram duas garrinhas, meia lã, já o basto, o basto era de respeito, feitio artesanal, estriveiras bem reforçadas, basteiras bem enchidas, todo ele de couro cru; logo o comerciante foi crescendo o olho e tentando tirar o máximo de vantagem, mas mesmo precisando livrar-se do peso pra seguir andejando o andarilho bem sabia do valor de seus aperos, bem por isso, além de garantir os vícios por um bom tempo queria apenas o que eles valiam, nada mais, nem menos.
Depois de um bom tempo conseguiu convencer e chegar a um acordo com o bolicheiro que lhe deu um tanto em dinheiro, e outro tanto em fumo, palha e fiambre.
Caia a boca da noite, o andarilho “saludou” o bolicheiro e voltou em direção ao “ranchito” d’onde morava o homem a quem deu o tordilho entroncado, e sua família. Quando a cachorrada bateu, logo ouviu uma voz vinda de dentro do rancho lhe gritar: “Passe pra diante”! Sacou a “boinita” surrada e pedindo licença adentrou “despacito”, meio encabulado, com a mala de garupa sobre o ombro; nisso o dono do rancho logo fez questão de apresentá-lo a sua família, porque aquela humilde figura era o homem de atitudes nobres que havia tentado amenizar suas penas sem pedir nada em troca. Apresentação feita, o homem logo perguntou ao andarilho no que lhe poderia se útil, então foi que o andarilho pediu-lhe um cantinho pra passar a noite e poder ressojar pra só no outro dia seguir no rumo da estrada...pouso concebido, óbviamente.
Na madrugada seguinte, o andarilho levantou-se pé por pé pra não fazer barulho, acomodou um mate a capricho com os avios que trazia na mala e saiu pra matear do lado de fora; foram um, dois, três, enfim, vários mates até tomar o do estrivo, daí levantou-se do cepo onde havia sentado para matear, tirou da mala o fiambre que tinha negociado com o bolicheiro, e colocou sobre a mesa da cozinha. Agora era seguir a cruzar caminhos, solito, e DEUS...
Quando todos se levantaram, já não havia mais nem rastro do andarilho.
Mais tarde correu o comentário nos arredores do arrabalde, sobre um homem sábio, e generoso que parecia ter surgido do nada, e sumiu num piscar de olhos.
FIM.