quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)
24º Capítulo
Vinha o andarilho tranqüilo “no más”, ao tranco do pingo, quando de repente num desses momentos de distração que nos pegam de á cavalo, resolveu fechar um pito; enrolou as rédeas no pulso direito, puxou de um pacote de fumo, e de um livro de papel que trazia no fundo do bolso da bombacha... Acomodou-se e fechou o “cigarrillo” bem no capricho, prendeu-lhe fogo, mas no sacar a boina para proteger o fósforo do vento, nem sequer esperava que tão repentinamente seu cavalo pudesse recordar-se dos tempos de reservado, bem antes de conhecer os encantamentos da “Mirada Índia”, dos quais o andarilho se fazia valer pra andar pelo mundo afora sobre “suas cruz”, por bem montado.
O fato é que o escarcéu se deu de tal maneira que o andarilho atinou apenas largar o cabresto do cavalo velho que vinha de tiro, e firmar a curva da perna nos arreios, e depois de uns dois ou três pulos meio no susto conseguiu abrir a perna, mas de cabresto firme na mão; prendeu o grito que ecoava corredor afora: -“Te ajeita cavalo, para cavalo”!!! Disse o andarilho, gritando forte no intento de botar tenência no urco que se desdobrava berrando forte com as garras firmes no lombo. Os estribos se cruzavam de um lado pro outro aumentando o grau de dificuldade para dominar o tobiano, que a cada batida de estribo parecia pular ainda mais alto; foi quando num desses pulos, o andarilho por vaqueano lhe pegou de jeito e num golpe seco do cabresto lhe tirou o equilíbrio dando-lhe um tombo de todo comprimento. O que não esperava é que seu cavalo fosse bater com a nuca justamente na quina de uma pedra moura no meio de todo aquele “pajonal” onde resolveu experimentar o vivente.
Triste sina, agora o andarilho apesar dos pesares, sentia-se culpado pela morte do cavalo que por instinto tenteou ganhar a movida de quem um dia lhe fez ceder aos encantos através da fé, e lhe amansou pelo coração.
Ergueu os olhos pra o céu, como quem pede perdão ao patrão maior lá em cima, e depois olhou na direção de onde estava o cavalo velho que trazia de tiro e teve de largar; o tordilho vinagre estava parado no costado da cerca com o cabresto de arrasto, e entre uma bocada e outra nos pastos parava orelha e bombeava na direção do andarilho, bem d’onde o tobiano se quedou morto com os arreios. Agora era o tempo de tirar as garras do tobiano, recompor-se do susto, apertar a cincha no tordilho entroncado,
alçar a perna e seguir andejando pela querência.
O fato é que lá no fundo, o sucedido cobrava do andarilho algo por hora indecifrável, pois levava por diante o questionamento do porque estar passando por aquilo; foi quando então mais adiante começou a entender melhor a situação...
Tudo aquilo poderia ser conseqüência de ele ter se feito valer da fé para ganhar uma aposta, e por conseguinte se esquecer por um momento da sua resignação, abrindo mão de andar com os próprios pés para cruzar caminhos sobre o lombo de um cavalo, que de uma hora pra outra, sem nenhum esforço, passou a lhe pertencer; e talvez por isso que também de uma hora pra outra, numa espécie de expiação, lhe foi quitado o tobiano.
Seguiu seu rumo... Agora no tordilho que embalava o seio das rédeas num tranco largo de quem se vai sem perder a cadência, por vaqueano, sem saber que mais adiante o andarilho lhe deixaria em algum lugar onde pudesse ter o tratamento que realmente merecia, ou uma função mais digna que a de simplesmente andar carregando um vira-mundo.
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)
23º Capítulo
Chegava o final de um domingo bueno para a família do chacreiro, principalmente pra os netos; entrava a boca da noite quando a mãe das crianças deu ordem para que apeassem do cavalo para se despedir de seu avô e do andarilho; muito contrariados com a idéia de ter que ir embora acataram as ordens da mãe. Com o cavalo pela rédea uma das crianças foi na direção do andarilho para entregá-lo, deu-lhe um abraço apertado desses que bem se vê que é um gesto de gratidão, e lhe alcançou o cavalo, depois saiu em direção ao seu avô para dar-lhe um abraço tão apertado quanto o que havia dado no andarilho.Se despediram. Agora tudo voltava ao normal na chácara novamente. Calmaria, recuerdos e os som da natureza ao de redor daquele rincão; o andarilho cruzou a cancela do potreiro que lhe foi cedido para soltar o cavalo, tirou-lhe o freio, deu-lhe um afago na tábua do pescoço e voltou pro galpão onde estavam a sua mala de garupa e o solitário aposentado, que por sua vez, lhe olhava com outros olhos, já não conseguia mais enxergar o andarilho como se fosse simplesmente um desgarrado, pobre coitado e sem rumo certo; passou a enxergar no andarilho um ser humilde, sábio e de bom coração.
No outro dia bem cedo o andarilho estaria de partida, iria seguir o caminho que somente DEUS saberia ao certo ao que o levaria de encontro.
Quando sentaram-se novamente para prosear e olhar a vida de longe, o chacreiro perguntou ao andarilho quais eram seus planos; foi quando o andarilho lhe disse que iria descansar mais um pouco e que na madrugada seguinte pegaria seus cavalos, e ainda “tempranito” voltaria a botar a vida na estrada. Bueno... num “saludo” e “buenas noites” se foi ao catre.
O chacreiro retirou-se e foi no rumo do seu rancho onde também descansaria, para no outro dia seguir sua rotina . Deitou-se, as horas passavam, o sono andava disperso e parecia não chegar de jeito nenhum; aos poucos o pensamento lhe transportou de volta ao dia em que o andarilho chegou para pedir pousada, era uma espécie de regressão, passava um filme na cabeça do proprietário da chácara. Mais tarde quando menos esperava o sono veio, dormiu pra lá do meio da madrugada, e neste meio tempo já bastou pra que mudasse seu ponto de vista sobre as coisas; foram só duas ou três horas de sono e o dia vinha clareando.
Levantou-se, lavou a cara e saiu a passos largos na direção do galpão, para matear com o andarilho; chegando lá encontrou a cuia e a cambona recostadas, quando olhou pra o lado de fora para ver onde se encontrava o andarilho, avistou por debaixo do arvoredo um dos cavalos encilhados, e o outro com o cabresto passado num galho de uma laranjeira, sinal que o andarilho já estava pronto pra seguir rumando caminhos. Prendeu-lhe o grito para chamá-lo pra perto, e nada de o andarilho atender, pois no lugar onde se encontrava não escutava nada, estava lá no fundo do potreiro tentando pegar o cavalo velho que o chacreiro tinha deixado solto ao descaso. Quando conseguiu embuçalar, de pronto ergueu a mão do cavalo que visivelmente tinha sido a do casco que se quebrou contra uma pedra, estava com a rachadura do quebrado quase fechada, não fosse o descaso já estaria curado á tempos, pois só não estava cem por cento porque sem aparar o casco, conforme crescia, mais forçava, e abria novamente. O andarilho levou o animal até a sombra, deu de mão num facão e num macete para aparar-lhe os cascos; nisso, o chacreiro aproximou-se, deu-lhe um “buenos dias” e já envergonhado se ofereceu para ajudá-lo; sem demora e sem pensar duas vezes o andarilho lhe agradeceu e disse que não se preocupasse, que estava acostumado a lidar solito, e que na verdade quem estava precisando de ajuda era o cavalo velho, não ele.
O andarilho após fazer o que devia ser feito, atou o cavalo do chacreiro numa sombra e foi despedir-se e agradecer por tudo, pela hospitaldade, “bóia”, pouso, enfim...
Neste exato instante o chacreiro lhe perguntou quanto queria pelo cavalo velho que levava de tiro, pois aquele cavalo antes desprezado por ele, agora era o cavalo que havia garantido a felicidade de seus netos no último domingo.
Foi quando ouviu da boca do andarilho que:
“Um cavalo que vai pelo cabresto, não por ser um cavalo velho, mas por merecer uma atenção maior, não tem preço, cuidar um animal assim, é como cuidar de si mesmo, pois nessa vida o homem adquire nada mais, nada menos que o valor que ele mesmo dá ao que tem ao seu redor e que DEUS lhe proporciona.”
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)
22º Capítulo
Madrugada de céu estrelado, o andarilho por costume saltou “cedito”, principiou o fogo, sevou um mate a capricho, e ficou no aguardo do chacreiro pra comungar de um mate “bueno”. Era feriado, naquele dia viriam os filhos e netos do velho passar o final de semana na campanha. Quando os ponteiros de um relógio de parede marcaram seis horas em ponto que ele se arrimou ao galpão pra tomar uns mates antes de ir tirar leite.
“Buenos dias seu”! “Saludou” o andarilho eufórico, bem se viu que estava faceiro, mas até então o andarilho não estava sabendo que o aposentado solitário receberia visitas, nem tampouco que este era o motivo de todo aquele entusiasmo.
De qualquer forma, o andarilho sempre muito discreto seguiu como se não tivesse percebido a euforia; depois de uns mates, ao velho e bom estilo dos homens gratos, fez questão de tirar leite, e ajudar o chacreiro nas tarefas da “manhãnita”. Lá pelas tantas o homem lhe disse que estava muito contente, porque seus filhos e netos estavam por chegar da cidade pra passar o final de semana com ele, e bem “despacito” começou a contar um pouco da sua história ao andarilho que ouvia tudo com atenção. Lhe contou de quando resolveu ficar “solito no más” ali por aquele rincão, onde encontrava a paz necessária para sua sobrevivência muito embora a distância física de sua família lhe cobrasse o preço. De repente, buscando a volta do assunto, o andarilho começou a fazer comparações para falar no cavalo velho que pegou pra dar uma atençãozinha, e foi bem desse jeito que o chacreiro respondeu:
-Tá certo; mas não se compara um animal á um ser humano. Disse ele.
E mais que depressa ouviu o andarilho lhe dar outra resposta.
- Não é o fato de ser um animal e um ser humano, seu! O fato é que não se condena qualquer que seja pela idade que soma; pois cada um tem seus méritos. Disse o andarilho.
Bueno... ao aprontarem a lida da “manhãnita” deram meia volta e seguiram em direção ao galpão, o chacreiro ainda cismado com a história do cavalo velho, vez por outra largava uma “peruada” se referindo ao animal como matungo “véio”. Lá pelas tantas chegaram as visitas esperadas.
O chacreiro recebeu sua família num largo abraço apertado, feito quem sabe bem o que é viver “solito”, e mesmo que por alguns instantes tem a atenção de alguém para lhe confortar com carinho. O andarilho, por discreto se retirou pra um lado, e por ali ficou até que lhe chamassem na volta do meio dia para almoçar. Na hora da “bóia” surgiu outro assunto. A filha do chacreiro pergunto-lhe se tinha algum cavalo manso pra que as crianças pudessem andar mais a tardinha. De pronto ouviu seu pai dizer que não, ainda justificou que seu cavalo velho tinha quebrado o casco ao pisar de mal jeito numa pedra quando vinha do bolicho na direção do rancho; disse também que havia posto um remédio e largado pra o potreiro fazia alguns dias e não teria pego mais nem pra revisar o machucado, mas que bem notava de longe que o animal ainda mancava. Não se sabe porque razão o homem fazia tão pouco caso do cavalo velho que tanto lhe carregou de um lado pra outro. Nestas horas que se vê o quanto DEUS vigia e se encarrega de ensinar aos homens de um jeito, ou de outro.
O andarilho ergueu-se da cadeira onde havia sentado para almoçar e disse á moça que resolveria o problema, e para a alegria das crianças disse que encilharia um cavalo velho de toda confiança logo á tardinha pra que elas andassem. Veio a tardinha. O andarilho saiu no rumo do potreiro com um buçal na mão e trouxe o tordilho entroncado para que as crianças andassem. Apertou-lhe a cincha, ajudou as crianças que não cabiam em si de tanta alegria a montarem e sentou-se lá pra um lado par observar as reações.
Ao ver a alegria dos netos o chacreiro parecia um homem renovado, foi quando então deu pra perceber que a partir daquele momento, o aposentado solitário entendeu realmente o que o andarilho tinha tentado lhe dizer com palavras sobre tratar um animal com desprezo chamando de matungo “véio”.
Pois ,por velho não se perdem os valores adquiridos ao longo do tempo.
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
ROMANCE DO ANDARILHO... (Primeira passagem)
21º Capítulo
O andarilho seguia num rumo de ida corredor afora, deixando pra trás um compromisso firmado junto ao couro que ajudou a estaquear; o seu cavalo ainda cismado teimava em andar de lombo duro sob as garras; depois de léguas vencidas no compasso dos cascos, resolveu bolear a perna e afrouxar a cincha para que o cavalo desse uma ressojada, e daí sim seguir a jornada com destino incerto...
Não se sabe se por coincidência, ou se porque nada é por acaso, que o andarilho parou exatamente no mesmo lugar em que havia parado da última vez que estradeava por aquele rincão, e lembrou-se de uma passagem com um –índio carrancudo- que estropiou um tordilho vinagre entroncado que lhe carregava até levar um laçasso e entregar-se de vez. Pois bem, apeou do cavalo, tirou-lhe as garras na sombra dos “móleos” e o levou até a sanga pra beber água e lhe dar um banho , voltou até o lugar onde deixou as garras e deu de mão numa bolsa de estopa que carregava, pra fazer uma maneia e garantir que por ventura enquanto se recostasse um pouco o cavalo não disparasse lhe deixando de a pé naquele fundão de corredor. Tudo listo. Recostado nos arreios pra uma sesta ligeira, de repente o andarilho ouviu o “refolêgo” de um cavalo que vinha se aproximando entre uma bocada e outra no verde dos pastos. Ergueu a cabeça pra certificar-se que animal era, e surpreendentemente confirmou que era o tal tordilho vinagre que n’outra volteada foi deixado pra trás pelo tal - índio carrancudo-.
Por essas coisas que somente DEUS pode explicar, o tordilho foi se aproximando cada vez mais do andarilho, parecia ter lhe reconhecido de longe, como de fato era mesmo. A sesta acabou sendo deixada de lado quando a sintonia entre homem e cavalo levou um de encontro ao outro.
Já no primeiro vistaço, o andarilho percebeu que os cascos do tordilho estavam quebrados e pedindo uma “aparadita” de facão, pelo visto desde que foi deixado por lá ninguém mais tinha lhe dado algum tipo de atenção. Bueno... cortou-lhe os cascos, e com um pedaço de piola que trazia na mala de garupa fez um “buçalzito” de improviso; passado mais ou menos uma hora e pico de descanso, pegou seu cavalo que pastava maneado, apertou a cincha bem no osso do peito e alçou a perna para seguir no rumo que havia, agora com outro de tiro.
Mais adiante, depois de despachar um bom tanto de terreno ao “tranquito no más”,
ia adentrando um povoado distante d’onde pretendia arrumar um pouso, e não deu outra...bateu palmas em frente a um rancho de um chacreiro que sempre lhe garantia um canto pra descansar; era um senhor aposentado que tinha por lá, em sua chacrinha, uma “pontita” de ovelhas pra consumo, mais duas, três vacas mansas. Quando lhe recebeu num “saludo” cordial, o senhor este disse ao andarilho que desencilhasse no lugar de sempre e se chegasse pro galpão pra tomar um mate e se recompor das andanças.
Depois de desencilhar e soltar os cavalos no piquete que lhe foi cedido por aquela noite, o andarilho rumou pro galpão onde o chacreiro lhe esperava de mate pronto pra uma prosa amiga; Conversa vai, conversa vem, lá pelas cansadas o chacreiro aproveitou que falavam sobre cavalos e perguntou-lhe o que queria com aquele matungo velho sotreta que trazia de tiro? Sem demora o andarilho lhe contou toda a história e lhe disse o que pensava sobre tudo, justificando porquê andava com aquele pobre animal no costado; de repente, sem mais questionar o proprietário da chácara pegou a desfazer não só daquele cavalo velho que o andarilho pegou pra cuidar, mas de outro que ele tinha por lá, e que apesar de velho não lhe negava o estribo jamais, pois pela boa índole e pela saúde que trazia estava sempre pronto quando lhe precisavam, fosse pra ir no bolicho, pra encerrar as vacas, ou até mesmo pro andar das crianças que vinham da cidade passar os finais de semana. Então , o andarilho por respeito ao livre arbítrio calou-se e elevou o pensamento com a seguinte reflexão:
- DEUS perdoe a todos aqueles que não percebendo condenam algo, ou alguém pelo seu tempo de vida, porque a velhice quando mal vista pode tornar-se um martírio; bem sabem os que envelheceram o quanto a idade soma através da maturidade que traz como conseqüência a experiência no sentido mais amplo da palavra.
Passados uns minutos em silêncio sorvendo o mate e olhando a vida de longe enquanto pensativos, cada um com suas reflexões, depois de roncar o último mate e recostá-lo o chacreiro providenciou a janta. Refeição feita; um “buenas noites” e “até amanhã” foram as últimas palavras naquela noite, véspera de feriado.
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