Minha alma ronda o silêncio que aos poucos abre caminho pras reflexões, e o mate amargo, parceiro das madrugadas e dos finais de tarde, mais uma vez adoça seu gosto enquanto refaço os dias, revejo o que tenho feito, e procuro algo que talvez faça com que eu me sinta um pouco mais útil, já que nem sempre o mínimo que faço é pouco e nem sempre o máximo é suficiente.
De repente, essa tradição secular que herdamos dos índios Guaranis, me remete ao pensamento, questionamentos que, por costumeiros, me levam a refletir sobre o verdadeiro significado da palavra e o sentido que damos a ela.
O mate amargo ou chimarrão, como prefira, aos meus olhos, vai muito além de simbolismo e representação, é a mais pura tradição mesmo; pois, faz parte de uma série de costumes passados de geração em geração pelo nosso povo e, é nele que vejo a mais nobre das heranças que se tem conhecimento até então. Herança deixada pelos verdadeiros donos desta terra (os índios Guaranis), que em sua xucra sabedoria descobriram bem mais que uma simples bebida; e não só descobriram como, passaram adiante uma infusão capaz de aliviar a alma e redobrar as energias para que o dia por mais exaustivo, seja encarado com vigor, e bem no fim, sirva novamente como recompensa pra quem volta “pras casas” no findar da lida, e sinta-se renovado já no sorver o primeiro gole de uma seiva que relembra o gosto real da vida, na essência mais natural e mais próxima de tudo aquilo que nos deu a origem; é o gosto nativo do pago em que nascemos, crescemos e aprendemos a amar e respeitar desde os primeiros passos. E por mais incrível que possa parecer, é um dos costumes que sofre modificações até hoje e que embora modificado, jamais foi motivo pra indiferença, entre um e outro grupo, que pelas afinidades e pelas características de cada região do estado, acabam vez por outra segregando valores, mesmo sem querer.O fato é que o mate jamais serviu como veículo para olhares indiferentes entre os que fazem parte de uma mesma cultura. Ante os fatos, é inegável que entre as discussões sobre tradicionalismo, que tradicionalistas em justa causa levantam, não entra em questão o mate (chimarrão), o formato da cuia, da bomba, a garrafa térmica, enfim... enquanto que a bombacha, o lenço, o chapéu, e tantos outros artigos de usos e costumes são alvo dessas discussões, e acabam no fim das contas segregando valores, entra ano e passa ano. Bueno... não vem ao caso.
O fato é que lhes garanto que, ao de redor do braseiro, o mundo da minha gente gira em torno da roda de mate, em torno do mate, porque ele é peça fundamental no princípio da educação dos que tem ou tiveram o privilégio de crescer e passar a infância no convívio dos galpões. Por favor, me corrijam se eu estiver errado:
Lembro-me ainda de ter sido um guri privilegiado por ter nascido no final de uma época em que os mais velhos tinham total liberdade para mandar (no bom sentido) e mostrar o caminho a seu modo para os mais novos; Deus o livre! Se naquele tempo um guri se metesse na conversa dos mais velhos, ou se atrevesse a pedir um mate, o respeito imperava tanto quanto a vergonha na cara; é bem verdade que guri é guri, e não podia ser diferente, sempre se esperava a hora da sesta, ou de saírem todos pra o campo pra aprontar alguma às escondidas. Volta e meia entre uma arte e outra, conforme fui crescendo, dentro de mim aumentava ainda mais aquela vontade de ser mais velho, de poder opinar, de me tornar um homem dos arreios, enfim...
Vez por outra, quando não era permitido que a gurizada fosse pra o campo para aprender as volteadas, não tinha lugar mais certo para estar que o galpão, lá o mate dos campeiros ficava recostado muitas vezes, quando alguém por aficionado no mate, sorvia o gosto nativo da erva até o último minuto, antes de encilhar e ir pra o campo, principalmente depois do almoço, quando o mate por suas propriedades funciona como digestivo.
Vem daí o motivo das tantas conclusões que tiro sobre a palavra tradição; hoje vivendo em outros tempos, tenho o privilégio de matear com meu filho, que embora com apenas quatro anos de idade bem sabe o gosto que isso tem, e é este mesmo mate que me leva de volta ao passado, que também nos aproxima cada vez mais um do outro; tanto eu, quanto minha prenda, nosso filho, e da mesma maneira que aproxima o campeiro do maturrango, o patrão do peão, o rico do pobre, o moço do velho, o rural do povoeiro, etc...
Eis então a herança que sintetiza num simples avio o significado da palavra tradição, por isso me basto em bem dizer e preservar o passado, e pouco me importam os avanços e atropelos inevitáveis do tempo, que não me dizem nada, desde que minha gente seja respeitada e tratada como merece, sem me tornar mais ou menos importante sendo ou não tradicionalista, pois peço a DEUS sabedoria para seguir sempre além do caminho percorrido...
Tradição: 1.Ato de transmitir ou entregar. 2.Comunicação ou transmissão de notícias, composições literárias, doutrinas, ritos, costumes, feita de pais para filhos no decorrer dos tempos ao sucederem-se as gerações. 3.Notícia de um feito antigo transmitida desse modo. 4.Doutrinas, costumes, etc., conservados num povo por transmissão de pais para filhos. 5.Conjunto de usos, idéias e valores morais transmitidos de geração em geração. 6.Memória, recordação, símbolo.
Tradicionalista: 1.Pertencente ou relativo ao tradicionalismo ou à tradição.
2.pej. Retardado no tempo. sm+f 1.Pessoa partidária do tradicionalismo. 2. Pessoa que preza muito as tradições.